O Aperto de Mão Escoteiro

    


     Durante toda minha vida de escoteiro tive o aperto de mão escoteirocomo parte da minha vida, como forma de demonstrar confiança e identificar escoteiros honrados. Isso seguirá da mesma forma. Por muitos anos eu coloquei uma antiga antiga estória em meus livros e adestramento, pois acreditava ser verdade.

     Como B.-P. em seu relatório que virou livro “A queda de Prempeh.”, venho aqui pedir desculpas a aqueles que de uma forma e outra destorceram a história. O que estou narrando nesta postagem vai desagradar a muitos e outros nem importância darão, seguirão a contar a estória do aperto de mão deixando de lado a história real . Meu intuito é dar acesso a fatos e ao final você vai decidir como vai lidar com os fatos e os princípios escoteiros referentes ao aperto de mão.


       Primeiro vamos conhecer a história sobre o famoso encontro até agora narrado romanticamente como a origem do nosso aperto de mão. Então vamos parar de prosa e ir ao assunto.

     A luta contra os Ashantis, nas terras da atual Gana, já vinha se arrastando havia muito tempo. Em um documento justificando a luta contra aquele povo o governo inglês trás algumas informações importantes como: (Trechos do documento.)
“Desde a data em 1873 e 1874, este distrito da África, o qual eu creio ser extremamente rico em recursos naturais, e provavelmente rico em recursos minerais - foi devastado, destruído e arruinado por disputas intertribais, e especialmente pelo maldoso governo Ashanti.”

“Acho que o dever deste país em relação a todos esses territórios selvagens, os quais somos chamados a exercer algum tipo de domínio, é estabelecer, o mais cedo possível, a “Pax Britannica”, e forçar essas pessoas a manter a paz entre si. Fazendo que qualquer que seja a perda de vidas em nossa expedição, possa produzir esse resultado. Estas perdas não será nada, se comparada perda anual de vidas que continua enquanto estamos fora.”

““Os britânicos nunca serão escravos”, e os britânicos estão tão peculiarmente envolvidos com a justiça, a qual também não deixará ninguém em estado de escravidão, se pudermos evitar.
Os escravos em algumas partes do mundo são moeda local; em outros, são os animais de carga ou máquinas; muitas vezes, sua vida é impiedosamente difícil.”

     Vemos logo de início que as razões que levaram os Britânicos para aquele lugar nos parecem corroborar com tudo. Trago essa parte para poder desde o primeiro momento ressaltar o trabalho do fundador em todo o processo. Quando lemos o “Escotismo para Rapazes”, vemos claramente a todo tempo essa preocupação com o a coroa britânica. O patriotismo que permeia todo os escoteiros pelo mundo. 
     Sob uma visão contemporânea a B.-P. isso era patriotismo, alguns podem dizer hoje em dia pela sua visão politicamente correta que aquela era uma visão imperialista, o que não estão de todo errado.

Mapa da Expedição


      Os líderes dos Ashantis não eram tão amistosos quanto contam. Me refiro a líderes porque era uma família que estava a frente e Prempeh era um deles. E falando neles nos documentos de justificativas traziam alguns fatos interessantes.
“A expedição foi necessária também para a proteção de outras tribos. Todas as tribos da vizinhança dos Ashantis viviam aterrorizadas com os assassinatos dos seus reis. E porque em várias ocasiões destruiam as vilas, uma após a outra. As quais eram tribos que já haviam procurado nossa proteção.
As finanças da colônia sofreram durante anos, mantendo as forças militares protegendo as tribos ao nosso lado. Acho que já disse o suficiente para mostrar que não cumpriríamos nosso dever de proteger se não tivéssemos insistido em interromper este tipo de coisa.”

      Os ingleses traduziam “Kumanssi” como “terra da morte” o que na verdade no dialeto fula ou fulane significa local de descanso. Eles levaram para esse lado devido certas constatações como B.-P. relata:

“A cidade possuía nada menos que três locais de execução; um, para execuções privadas, dentro do palácio; um segundo, para decapitações públicas, no campo de parada; um terceiro, para sacrifícios fetichistas, ficava na aldeia sagrada de Bantama.”
      
Sacrificio humano em Bat` ama


     Como práticas animistas os Ashantis sacrificavam pessoas a todos os elementos da natureza, seus deuses. Além de manter a escravidão, eram produtores e comerciantes de escravos, escravizando os povos que estavam sob a proteção da coroa britânica. Algumas descrições dos locais de sacrifício Ashantis eram muito impactantes.

      Resumidamente, então, podemos considerar como os principais motivos e objetivos da expedição:
  1. Acabar com o sacrifício humano.
  2. Acabar com o comércio de escravos e os ataques.
  3. Garantir paz e segurança para as tribos vizinhas.
  4. Estabelecer o país e proteger o desenvolvimento do comércio.
  5. Receber a indenização de guerra.

Vamos pular aqui para o encontro de B.-P., mas antes deixaremos um breve sumario de fatos nesse meio tempo:

      Levaram meses para a preparação da expedição, convocando e preparando os envolvidos.
      Durante esse tempo os Ashantis continuavam a atacar as tribos protegidas pelo império.
     A via de transporte de produtos no interior de Gana ainda não tinha sido estabelecida e todos sofriam com a situação.
      O tratado de paz que estava sendo proposto pelos ingleses geraria: renúncia de todos os direitos sobre várias tribos vizinhas, abertura do país ao comércio, fim do sacrifício humano, indenização de guerra de 1.400 quilos de ouro e a estrada de Kumassi a Prah seria construída e aberta.
      Foi estabelecida linha telegráfica entre a base de Prashu e a Cidade do Cabo, pela força protegida pelo esquadrão de B.-P.
Colocando as linhas telegraficas 

     Estamos falando muito sobre as motivações do império e tudo mais que envolve essa expedição. As vezes me perco nas informações por achar tudo importante e trazer o verdadeiro background das ações de nosso fundador e fazer jus a sua moral e reputação. Baden-Powell foi responsável por organizar as forças de proteção tanto das cidades sob comando inglês bem como levar uma força armada junto com os enviados do governo a Kumanssi, com o objetivo de evitar morte de civis. E o mais importante estabelecer um caminho entre o interior e a capital. Trabalho executado por vários grupos de trabalhadores que apoiavam os britânicos. No todo era um grupo enorme de pessoas sob a proteção dos militares comandados por B.-P.
      
      Durante o caminho B.-P. enviou seus escoteiros, vamos chamar assim os batedores, pois o fundador sempre gostou de trocadilhos entre os escoteiros como conhecemos hoje e os batedores militares. Então, os escoteiros de B.-P. tiveram contato com os guerreiros Ashantis chegando a levar até o rei os termos de rendição, os quais foram respondidos usando ditados Ashantis. “O Rei dos Ashantis é o senhor do céu e da terra.” E recusavam as propostas pacíficas. As forças britânicas estavam sempre rodeadas de observadores Ashantis os quais informavam o rei de cada passo dado por eles.
      Várias tribos ao verem a superioridade Inglesa foram se somando no caminho e tirando proveito das facilidades que estavam chegando, como estradas e comunicação.
Prempeh entediado


      Na segunda quinzena de janeiro B.-P. chega a Kumanssi e sitia a cidade. Bloqueando os guerreiros e deixando as pessoas comuns passarem com comida. Alguns ataques em pontos isolados aconteceram e em alguns os Ashantis tiveram sucesso.
      Ao chegar em Kumanssi em 19 de janeiro de 1896, ele descreve o que vê.

“E lá está Prempeh, entediado, enquanto três anões vestidos de vermelho dançam diante dele, em meio à grande multidão de espadachins, heraldos da corte, abanadores e outros oficiais. Ele parece uma figura real quando se senta em um trono elevado com um enorme guarda-chuva de veludo sobre ele, na cabeça uma tiara preta e dourada e em seu pescoço e braços grandes contas douradas e pepitas.”

      Às 7 da manhã do dia 20 de janeiro se iniciou a cerimonia de rendição dos Ashantis. A função de Baden-Powell de proteger e evitar o derramamento de sangue havia sido cumprida. Como um excelente comandante ele fez tudo e mais um pouco do que lhe foi atribuído.
      Assumiu a cerimonia o Governador Senhor Maxsuel e ao seu lado sentaram os Coronéis Francis Scott (Cavaleiro da Ordem de Bath) e o Coronel Kempster a ordenança do Governador.
      Prempeh e sua mãe a Rainha, foram trazidos e obrigados a se humilhar em frente as lideranças políticas em um altar improvisado por caixas localizado em frente ao altar real. Trouxeram todos os objetos de valor a fim de simbolizar a indenização de guerra. As praças de sacrifício foram queimadas e centenas de crânios foram retirados e enterrados. Alguns relatos falam em milhares de ossadas resultado das práticas animistas canibalísticas dos Ashantis.
     
Cerimonia de rendição dos reis Ashantis

     Depois da rendição a cidade se encheu de moradores comuns que estavam retornando a Kumanssi. E algumas notícias de forças rebeldes por outras cidades foram relatadas. As ações de repressão duraram mais alguns dias.
      O Rei, a Rainha e os chefes Ashantis foram banidos e exilados de sua tribo no dia 26 de janeiro, sob a proteção de B.-P. foram enviados para a Cidade do Cabo sendo deportados e exilados nas Ilhas Seychelles em fevereiro de 1896.
Embarque do Rei Prempeh para Seychelles


      Baden-Powell deu aos prisioneiros um tratamento digno, não continuando a humilhação e os maus tratos aos líderes Ashantis. Esse relacionamento foi tão profundo que B.-P. além de aprender muito sobre aquela cultura pode assimilar alguns princípios africanos que até hoje perduram, como as danças e os gritos de guerra escoteiros. Possivelmente aprendeu como os Africanos se cumprimentavam, daí vindo o aperto de mão esquerdo dos escoteiros.
      Vivendo nas Ilhas Seychelles, Prempeh se tornou Edward sendo educado e doutrinado pelos Ingleses, os quais mantinham o Imperio Ashanti sob dominação. Ao retornar para suas terras em 1926, a realeza Ashanti, foram libertas e voltaram ao poder sob a proteção inglesa. Prempeh foi colocado como representante do Reino em suas terras.
      Uma curiosidade sobre seu relacionamento com nosso fundador é que o próprio Prempeh se tornou o primeiro Escoteiro Chefe dos Escoteiros de Gana.

Prempeh e os lider após o batismo.

      Então, diante de tudo isso, vemos que a famosa cerimonia bem como muita coisa por traz da romântica estória do aperto de mão não são reais. Não culpando aqueles que um dia quiseram trazer algo a mais e nem questionando os seus porquês, fica a indagação. 
     Vai continuar a contar estorinhas para seus meninos ou vai contar a história do mundo real? A fim de prepará-los como “homens de verdade” para um mundo de verdade. Sem nota de roda pé uso o termo entre aspas usando jargão como B.-P. se referia aos bons cidadãos em seus livros, mas isso é uma outra história. 

     A história do aperto de mão escoteiro, vamos ao cerne da questão.


      Existem pelo mundo 3 diferentes estórias do aperto de mão escoteira e vamos ver as suas origens assim você escolherá a sua.

      A primeira foi essa envolvendo Prempeh e B.-P. a qual vimos é fantasiosa e foi criada pelo Lord Rowallan no Livro o “Aperto de mão esquerda.” Datado de 1946.

      A segunda do anuário escoteiro de 1960” Sydney R. Brown diz que no oeste africano o aperto de mão esquerda é uma distinção reservada ao Chefe e seus seguidores de confiança e Baden-Powell introduziu no movimento escoteiro e desde sempre é explicado que os escoteiros apertam as mãos desta maneira porque essa é a mão mais próxima do coração. Essa ultima explicação não se aplica, por simples constatação que todas as referências de B.-P. no simbolismo escoteiro sempre as conectou com algo transcendental nunca ao mundo material.

      A terceira vem do livro “Olave Baden-Powell” escrito por Eileen Wade em 1971, que diz que o fundador usava a estória de duas tribos na África que viviam em constante guerra, e subitamente o coração de um dos reis mudou. Ele veio até a fronteira entre as tribos e se encontrando com o outro ali colocou abaixo o escudo e estendeu de mão esquerda em sinal de amizade, dizendo isso é prova que estou desarmado em um novo espírito. O outro chefe fez o mesmo e apertou a mão, em sinal de amor e confiança por estarem agora debaixo da mesma Lei e promessa.

Prempeh no Exilio roupas tradicionais



     Em análise podemos dizer que Baden-Powell e seu grande amor pelos Africanos nos trouxe muito dos valores daquele povo. Podemos trazer como exemplo as cores escoteiras verde e amarelo, são cores africanas da época, o escudo Zulu ficou no formato dos distintivos de classe de B.-P. 
     É uma prática comum, para os africanos de vários povos do oeste e centro africano, o aperto de mão esquerda. O aperto de mão é algo que os guerreiros africanos naquela época só realizavam com quem realmente confiavam e isso tinha um valor imenso. Alguns povos acreditam que com a mão esquerda coisas sobrenaturais acontecem. Então podemos sim contar uma história sem modificar ou atribuir a uma pessoa algo que nunca fez. Prempeh pode até ter esclarecido isso a B.-P., ou ele pode ter observado ou aprendido os motivos e colocou como pano de fundo a história contada pela sua esposa a escritora Eillen, agregando assim o amor que nosso fundador tinha para com o povo Africano.

A história pode ser narrada assim...


     O aperto de mão escoteiro tem origem na cultura africana. Onde demonstrando respeito e confiança as pessoas apertam com a mão esquerda ao se cumprimentar. Baden-Powell costumava contar uma estória que duas tribos na África que viviam em constante guerra, e subitamente o coração de um dos reis mudou. Ele veio até a fronteira entre as tribos e se encontrou com o outro rei. Ele colocou abaixo o escudo e estendeu de mão esquerda em sinal de amizade, dizendo que era prova que estava desarmado em com um novo espírito. O outro chefe entendendo fez o mesmo e apertou a mão. Fizeram isso em sinal de amor e confiança por estarem agora debaixo da mesma Lei e promessa.

      Conclusão, muitos irão falar que nada mudou e outros vão querer saber mais sobre outras coisas. O que pretendia com tudo isso é dizer existem espaço para as estórias e para a História e nenhuma precisa suplantar a outra para ter a verdade. E a maior aventura da vida de B.-P. merece ser estudada.


Referencias:
Desenhos: Baden-Powell
Fotos: BMA, D-30.18.077 1917

Kreol International Magazine
The Downfall of Prempeh – R.S.S.B.-P.
Pathfinder Annual The Tames Publishing Co. London 1960
The left handshake – H. S. G. S.
Left-handedness and Stigmatization – A. B. A
National Archives of UK