A União dos Escoteiros do Brasil na sua
marcha declarada contra os escoteiros do Brasil perdeu mais uma apelação no
processo que movia contra a Associação Escoteira Baden-Powell, por uso de
marcas e prática de escotismo.
Desde 2007 a UEB como é conhecida estava
com uma ação contra a AEBP, a fim de parar seus trabalhos e supostamente
proteger suas marcas, marcas estas que formam registradas com o intuito de não permitir
que outras associações brasileiras pudessem praticar o escotismo aos moldes do
que acontece em praticamente em todos os países civilizados do mundo.
Durante anos ela se utilizou de decisão
liminar para ameaçar de processo pequenos grupos e outras associações, mas não
obteve grande êxito.
Após perder em primeira instância no
Processo Movido na comarca de Joinville entrou com recurso protelatório o qual
foi negado na ultima semana por aquele Egrégio Tribunal. E ao mesmo tempo que
perdia esta iniciava um outro processo idêntico “ipsi literis” contra a
Federação dos Escoteiros Tradicionais e o Governo do Distrito Federal, tendo o
foco de acabar com a parceria entre os dois. Liminar dada e ainda válida de não
se usar marcas da mesma nem seus livros.
Cabe ressaltar que a FET nunca fez uso de
nada da referida associação e a UEB não anexou nenhuma prova de utilização, da
mesma forma que havia feito em Joinville. Todo o material da FET é de produção própria
e tendo como referencia filosófica os livros originais de Baden-Powell.
Agora anexando a liminar de Brasília e não
mais a perdida de Joinville, procura os grupos oferecem isenção de taxas e
atividades grátis a fim de parar a grande revolução que chamaram de “ESCOTISMO
INDEPENDENTE”.
Mais uma vez vemos que a Justiça Brasileira
é eficaz mostrando ao final quem está do lado dos jovens ou do lado dos lucros.
E aguardamos ansiosamente o fim da lide idêntica que foi movida em Brasília e
colocou fim a um programa que atendia 800 famílias.
Brasil acima de tudo e abaixo de nada.
Decisão de Joinville
Longe de buscar a paralisação das atividades
dos réus (o que seria mesmo impensável, em face do disposto no artigo 5º,
inciso XVII), a autora, ao argumento de que fá-lo para defender seu direito de
exclusividade, objetiva, com o sucesso desta demanda, apenas compelir as
demandadas a absterem-se de utilizarem marcas, logotipos e obras literárias que
lhe pertençam.
Já os réus, sem
questionarem o registro formalizado junto ao INPI aludido pelo adverso,
afirmaram que não fazem uso de símbolos, marcas, logotipos ou obras literárias
cuja propriedade industrial e/ou direito autoral assistam à autora. Também
negaram utilizar o termo nominativo "Jamboree Nacional Escoteiro", ou
o símbolo denominado "Flor de Lis estilizada". De fato, compulsando o
que foi trazido aos autos, não encontrei nada que confirme que algum dos réus
estaria fazendo uso de bens imateriais cujo registro pertença à UEB.
A imagem "Flor
de Lis" que estampa os materiais utilizados pelo réu Grupo Escoteiro
Ronaldo Dutra e também os da acionada Associação Escoteira Baden Powell
(veja-se, v.g., fls. 248, 257 e 261) difere, em muito, das marcas
(mista e figurativa) registradas pela União dos Escoteiros do Brasil no INPI (fls.
57/58), não havendo, portanto, razão para proibir os réus de continuarem
utilizando-a.Também não se tem notícia de que os réus estejam utilizando os termos
"Jamboree Nacional Escoteiro", como afirmou a autora, cabendo aqui
invocar o surrado brocardo jurídico allegatio et non probatio, quasi non
allegatio (CPC, art. 333, inc. I).
O mesmo acontece em
relação às obras literárias que a autora registrou perante a Bibliotea Nacional
(fls. 61/80). Diga-se, aliás, que nem mesmo quando notificou extrajudicialmente
o Sr. Mário Greggio, integrante da ré Associação Escoteira Baden Powell
(outrora "Grupo Escoteiro Tacaúnas"), a UEB fez menção a qualquer ato
concreto de utilização indevida de tais obras pelos réus. Só fez isso em juízo
(veja-se, a respeito, o documento subscrito por um agente da propriedade industrial
às fls. 155/160).
De toda forma, ainda
que os réus estivessem, comprovadamente, fazendo uso de obras literárias da
autora, isso não conduziria à aplicação de artigos da Lei de Propriedade
Industrial ou mesmo à prolação de ordem judicial determinando obrigação de
não-fazer aos réus. É que, por não constituírem "invenção nem modelo de
utilidade" (LPI, art. 10, caput ), não são patenteáveis,
nos termos da Lei de Propriedade Industrial, as "obras literárias,
arquitetônicas, artísticas, e científicas ou qualquer criação estética"
(inc. IV).
Sabe-se que a patente
prevista pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), cuja "[...]
expressão significa a concessão do direito de propriedade de um bem
imaterial ao seu mentor intelectual" (TJSC – Ap. Cível nº 2010.042045-4,
de Palhoça, Quarta Câmara de Direito Comercial, rel. Des. JOSÉ CARLOS CARSTENS
KÖHLER, j. em 22.09.2011), que garante ao seu titular o direito de "[...] impedir
que terceiros, sem o seu consentimento, produzam, usem, coloquem à venda,
vendam ou importem o produto objeto da patente e o processo ou produto obtido
diretamente do processo patenteado" (GABRIEL DI BLASI, "A
Propriedade Industrial: os Sistemas de Marcas, Patentes, Desenhos Industriais e
Transferência de Tecnologia", 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, pág. 249)
(LPI, art. 42), difere substancialmente dos direitos autorais, estes sim
relativos a obras e atividades literárias.
LUIZ OTÁVIO PIMENTEL
explica que as variadas produções da inteligência humana são denominadas
genericamente de "[...] propriedade imaterial ou intelectual, dividida
em dois grandes grupos, no domínio das artes e das ciências: a propriedade
literária, científica e artística, abrangendo os direitos relativos às
produções intelectuais na literatura, ciência e artes; e no campo da indústria:
a propriedade industrial, abrangendo os direitos que têm por objeto as
invenções e os desenhos e modelos industriais, pertencentes ao campo industrial"
("Direito Industrial – As funções do Direito de Patentes", Porto
Alegre: Síntese, ano 1999, pág. 278). Tanto são diferentes um do outro que a
lei que regula a propriedade industrial (Lei nº 9.279/96) não é a mesma que
estabelece as regras atinentes ao direito autoral (Lei nº 9.610/98).
A Lei de Direitos
Autorais (9.610/98), por sua vez, não veda nem a reprodução, tampouco a
utilização, por terceiros, de obras literárias registradas, devendo-se apenas,
para tanto, observar-se as balizas limitadoras emanadas dos artigos 31, 46 e 47
da Lei nº 9.610/98.
Feita essa distinção,
pertinente ao caso sub judice, vale ressaltar que, mesmo que
estivesse comprovada a utilização, pelos réus, de obras literárias pertencentes
à demandante, isso não implicaria, inexoravelmente, em ofensa ao direito da
UEB, sendo que incumbia a esta comprovar o uso indevido desses materiais, coisa
que não fez.
Ultrapassadas essas
questões, resta analisar o ponto nuclear desta demanda, que consiste na
possibilidade de os réus (e outras associações semelhantes) utilizarem as
expressões "escoteiro" e "scout", registradas em
nome da União de Escoteiros do Brasil – UEB perante o Insituto Nacional da
Propriedade Industrial – INPI.
Na defesa dos seus
interesses, o Grupo Escoteiro Ronaldo Dutra e a Associação Escoteira Badenn
Powell altercaram ser impossível que se conceda a alguém o direito de
exclusividade na utilização de duas palavras que são de uso comum e amplamente
difundidas como essas. E têm razão.
Não há dúvida quanto
ao fato de que o INPI conferiu à União dos Escoteiros do Brasil – UEB o direito
de uso exclusivo dos termos "Escoteiro" (fl. 52) e "Scout"
(fl. 55), enquanto marcas nominativas, cabendo aqui relembrar que, pela própria
definição oficialmente adotada pelo INPI, uma marca consiste em "todo
sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos
e serviços de outros análogos, de procedência diversa, bem como certifica a
conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas",
sendo entendidas as marcas nominativas enquanto aquelas compostas de palavras,
expressões e/ou combinações de letras e/ou números do nosso alfabeto.
Contudo, a Lei de
Propriedade Industrial, ao tratar do registro de marcas, mais especificamente
em seu artigo 124, inciso VI, "não autoriza [ser registrada] como marca
'sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente
descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou
aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou
serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de
produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente
forma distintiva'" (STJ – REsp nº 1.105.422/RJ, Terceira Turma,
relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, publ. no DJ em 15.05.2011).
Ainda que a
demandante sustente que a utilização da palavra escoteiro e da sua
correspondente em inglês (scout) consiste direito que lhe assiste com
exclusividade, a ampla difusão desses termos inviabiliza tal pretensão.
Ora, duvido muito que
alguém – que não os envolvidos nessa contenda –, ao ouvir as expressões
escoteiro ou scout, estabeleça um elo mental instantâneo com a União dos
Escoteiros do Brasil – UEB, que registrou essas palavras junto ao INPI.
Fá-lo-á, isso sim, em relação a um grupo de jovens organizados com fins
filantrópicos, a uma ou outra situação ligada a atividades em meio à mata, a
práticas condizentes com bons samaritanos etc.
Em claro indício de
que os termos registrados (escoteiro e scout) não guardam relação
umbilical com a UEB, fiz uma rápida pesquisa na rede mundial de computadores
digitando ambas as palavras. Para escoteiro encontrei, além da referência a
diversos grupos de jovens que se reúnem País afora para a prática do escotismo,
menções a manuais de acampamento, guias de como dar nó em corda e até
"lanternas de escoteiro". Numa nostálgica incursão mental, também
visualizei um colega do ensino fundamental, lá pelos idos de setenta,
mostrando-me, orgulhoso, o seu exemplar do "Manual do Escoteiro
Mirim", em que eram protagonistas os três sobrinhos do Donald, o pato. Os
quadrigenários, se puxarem pela memória, vão lembrar a que livro me refiro.
Ao buscar por scout,
focalizando apenas os resultados para o território nacional, encontrei
equipamentos de camping mais sofisticados e até comunicadores portáteis
(os famosos walk-talkies), cujo público-alvo é aquele que gosta de viver
na mata.
Digo isso apenas para
demonstrar que tanto o termo escoteiro quanto seu correspondente na língua
inglesa (scout) detêm tamanha abstração que, em suas formas simples,
podem vir a serem associados a diversos produtos, serviços e atividades, não
guardando qualquer relação íntima com a atividade desenvolvida pela autora.
Resumo da ópera: o termo escoteiro descolou-se da atividade que, no passado,
ele identificava, tornando-se comum, genérico e, por isso mesmo, impossível de
ser registrado para fins de uso exclusivo (LPI, art. 124, inc. VI).
Em casos assim,
deve-se compreender que "a palavra comum que compõe o vernáculo,
isoladamente, apresenta-se incapaz de gerar confusão entre duas empresas
atuantes da mesma atividade comercial e não atribui a exclusividade do seu uso
e da sua figura em sua marca, exceto se houver notoriedade" (TJRJ –
Ap. Cível nº 2004.001.01740, 11ª Câmara Cível, rel. Des. CLÁUDIO DE MELLO
TAVARES, julgada em 05.05.2004). De mais a mais, "fora de toda a
dúvida, as expressões de uso comum, mesmo quando originárias de línguas
estrangeiras, não são suscetíveis de uso exclusivo [...]" (STJ – REsp
nº 237.954/RJ, Terceira Turma, rel. Min. ARI PARGENDLER, j. em 04.09.2003).
Em casos análogos, os
Tribunais têm se manifestado em idêntico sentido, como aconteceu, por exemplo,
em cases envolvendo as expressões "delicatessen" (STJ –
REsp nº 62.754, Terceira Turma, rel. Min. NILSON NAVES, j. em 03.08.98),
"federal" (TRF 2ª Região – Ap. Cível nº 199902010585178, Quinta Turma,
relatora Desembargadora Federal NIZETE ANTONIA LOBATO RODRIGUES, publ. no DJU
em 03.10.2003); "fresh" (TJRJ – AgRg 2007.002.16135, 3ª Câmara
Cível, rel. Des. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO, j. em 17.07.2007) e "spa"
(TJSP – EI nº 85.913-4, 1ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. GILDO DOS
SANTOS, j. em 04.04.2000).
Ainda que o INPI
tenha levado a efeito o registro das expressões antes referidas, não há óbice a
que se reconheça a nulidade dos registros no curso de algum processo,
administrativo (LPI, arts. 168/172) ou judicial (arts. 173/175), em que se
questione a validade desses registros, ainda que o efeito alcance apenas as
partes do processo. É que a Lei de Propriedade Industrial dispõe expressamente
como sendo "nulo o registro que for concedido em desacordo com as
disposições desta Lei"(grifei) (art. 165, caput).
Objetivamente, a
concessão, pelo INPI, de direito de uso exclusivo dos termos escoteiro e scout
(fls. 52 e 55), consiste num ato nulo, poisimplicou no registro de termo
genérico (LPI, arts. 124, inc. VI c/c 165, caput).
2. "A aplicação
de pena pecuniária por litigância de má-fé, pressupõe o dolo da parte no
entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente
maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade' (Resp n.
418.342/PB, rel. Min. Castro Filho, j. 11-6-2002)" (TJSC – Apelação
Cível nº 2006.004991-4, de Chapecó, Segunda Câmara de Direito Civil, rel. Des.
LUIZ CARLOS FREYESLEBEN, j. em 03.09.2009), coisa que aqui não se vislumbra.
À luz do exposto, JULGO
IMPROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER proposta
por UNIÃO DOS ESCOTEIROS DO BRASIL – UEB contra ASSOCIAÇÃO ESCOTEIRA
BADEN POWELL – AEPB e GRUPO ESCOTEIRO RONALDO DUTRA.
Por ter sucumbido,
condeno a autora no pagamento integral das custas processuais e dos honorários
advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.200,00 para o patrono de cada um dos
réus (CPC, art. 20, § 4º).
Revogo, por
consequência, a medida liminar outrora deferida(fls. 107/108).
Publique-se.
Registre-se. Intimem-se.
Joinville, 26 de março de 2012